Sempre que me gabo de algo bom que fiz, o universo ataca-me com uma chatice qualquer.
No outro dia contei num post que estava na Loja do Cidadão em Chelas , um sítio muito pitoresco, mas onde gosto de ir tratar das burocracias, pois tem estacionamento grátis no centro comercial.
E tem um Café Jerónimo mesmo em frente, podemos ver as senhas a mudarem nos quadros enquanto comemos bolos.
Não foi o meu caso, quando fui levantar o meu cartão de cidadão. Há aquela máquina de tirar senhas, com um écran incompreensível para o comum dos mortais. Diz coisas como IMTT, IRN, Espaço Cidadão e mais umas quantas siglas. Tanto que lá ao lado colocaram um papel na parede impresso com: IMTT - Cartas de condução; IRN- Cartão do Cidadão, Passaporte; etc. para a gente saber. Porque só depois de carregar no sítio aparece a explicação do que é, e perde-se tempo a andar para trás e para a frente. Geralmente está lá um segurança que pergunta para o que é e tira ele.
Eu começo por dizer que podiam ter escolhido outra cor para os sofás, vêem-se manchas duvidosas no tecido.
A população são sempre mulheres acompanhadas de inúmeros miúdos, que nem todos estão para tirar o cartão do cidadão e ela nem sequer é a mãe, pois telefona várias vezes a perguntar datas de nascimento a pais. Muitos de etnia cigana, também, sempre a refilar por tudo. E uns motoristas com idosos atrás, para renovarem cartão de cidadão (espero que não para renovar a carta de condução, não , isso não é nesse sector).
Pois eu vi entrar um senhor direto ao guichet próximo de onde eu estava e faltavam dez senhas para a minha e ele era idoso e magro, de vestes muçulmanas e uma boina pequena de crochet na cabeça, cheio de dignidade. Perguntou onde tirava o passaporte. Estava cheio de sorte era ali mesmo, mas ele não tinha tirado a senha. A funcionária do guichet, com a habitual secura, disse " tem de tirar a senha na máquina ", mas como a máquina estava à entrada da sala, ela carregou logo a próxima N-Passaporte. O senhor no entanto, como qualquer idoso que se preze, passou pela máquina das senhas e continuou. Suspiramos ambas em uníssono,e ficámos a observar, e a vê-lo voltar e encarar o écran. Nessa altura eu já estava cheia de comichões para intervir e ir ajudar. Fazer o que os meus filhos chamam " envergonhá-los". Alguém o ajudou a tirar a senha e ele deambulou de novo para outro lado. A do guichet riu-se e eu nervosa, disse que ia buscá-lo. Ela disse, " já nem o vejo " e eu fui na mesma. consegui encontrá-lo na fila do espaço cidadão, mas tinha na mão a senha certa, e eu disse-lhe " quer tirar o passaporte ? ". " Sim, pode ajudar-me ? " e eu " sim, mas não é aqui, venha comigo " e levei-o ao guichet certo. Onde o atenderam logo. E chamaram a minha senha.
Eu fiz isto porque para mim é normal. É como apanhar um papel que alguém deixa cair e devolver.
Também pensei num avô meu a tirar sozinho o cartão. Admirável mundo novo.
Seja como for, não era para me gabar, mas deve ter parecido ao chefe de repartição dos karmas, pois no dia seguinte, ao sair para ir almoçar ao centro comercial (domingo), fechei a porta de casa com as chaves do lado de dentro. E o telemóvel. E o guarda chuva. E as chaves do carro.
E fui ao centro à Loja das Chaves para ouvir que os homens não trabalhavam, para ir aos bombeiros.
Ok, a chuviscar e cheguei aos Bombeiros para ouvir que já não abriam casas de particulares. Para tentar a casa de chaves dos Olivais, ao pé do Mercado da Encarnação. Senti-me uma personagem de um livro de Kafka. A deambular de repartição em repartição.
Como a casa da minha irmã ficava perto, apressei-me a ir a pé para lá, felizmente estava com os novos adidas Stan Smith e cheguei lá e não tinham ido almoçar fora e deram-me almoço e ligámos para a minha filha que tinha chaves e estava no Vasco da Gama e depois a minha irmã levou-me lá e fim
Há males que vêm por bem, foi um domingo diferente e sim, não há almoços grátis.
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